sexta-feira, 12 de fevereiro de 2016

Eles não Usam Black-tie

Sobre a importância do pensamento político, a necessidade do engajamento e da formação da consciência crítica sobre o agir humano no mundo, um excelente filme brasileiro, atemporal, para melhor entendermos a relevância da política, do pensar político. (Brasil, 1981).

Direção de Leon Hirszman
(Baseado na peça teatral de Gianfrancesco Guarnieri).
Sinopse: Ano de 1980, um dos últimos da ditadura militar no Brasil. Em São Paulo, a greve dos operários se prepara, dividindo os sindicalistas mais lúcidos e calculistas e os mais ansiosos e impulsivos. Ao mesmo tempo em que a luta se desenvolve, Tião -- filho de Otávio, sindicalista veterano marcado pela polícia -- e  sua namorada, Maria, tomam a decisão de se casar. Temendo que lhe aconteça o mesmo que ao pai, Tião nem pensa em ficar do lado dos grevistas, hesitando mesmo em ficar do lado da empresa.
Elenco: Gianfracesco Guarnieri, Fernanda Montenegro, Carlos Aberto Riccelli, Bete Mendes, Mílton Gonçalves, Francisco Milani, Anselmo Vasconcelos...

O suicídio como um problema filosófico em Albert Camus.

Sísifo no século XX


1.1. Camus e o seu tempo.


Ao longo dos anos foi possível observar mudanças significativas nas mais diversas expressões humanas. Sejam elas religiosas, cientificas e artísticas, presenciou-se ao longo da história o surgimento de novas descobertas, assim como novas interpretações acerca do homem e do mundo. No que concernem às interpretações filosóficas e literárias as mudanças foram inúmeras, mas todas submetidas, ou melhor, influenciadas pela a época em que surgiram. Todas elas tinham algo em comum, através de suas interpretações acerca do homem e do mundo, contribuíram para o desenvolvimento do espírito crítico, além de oferecer ao homem informações sobre a sua existência.

No final do séc. XIX existia uma concepção romântica do mundo e do homem que influenciou de maneira predominante as expressões artísticas e filosóficas deste período. Essa específica concepção possuía como características principais ideais e valores absolutos que representavam para o homem relevantes esclarecimentos sobre sua existência. Palavras como verdade, beleza, liberdade, absoluto, puro, estavam presentes no vocabulário dos artistas e a vida humana consistia na busca da concretização desses ideais.

Para os românticos a postura de romper com a realidade impostamente conhecida e elevar-se de forma abstrata, refletindo e assegurando a crença nos ideais absolutos representaria certa contestação da ordem vigente. O homem romântico era aquele de letras maiúsculas, bonitas e abstratas, convicto de que a razão possibilitaria a compreensão da sua atuação e postura no mundo. Todos esses fatores encaminharam o surgimento de diversas correntes na Europa, dentre elas, o idealismo alemão, que timbrou a sua forma na literatura francesa e inglesa do final do séc.XIX. Acrescentando ainda a estes fatos ideológicos a correlação desses ideais com o culto ao progresso “baseado na ciência, que levaria inexoravelmente o homem a encontrar em pouco tempo a sua grandiosa e verdadeira realização neste mundo”[1] .

Mas é o início do séc. XX que irá conduzir a uma radical mudança na concepção de homem e mundo. As duas grandes guerras mundiais, a crise econômico-financeira de 1929, a descrença no marxismo e o declínio do cristianismo, serão fatores relevantes para a formação do caráter humano na contemporaneidade. Valores antes inquestionáveis e absolutos perdem seu sentido e são desacreditados, pois já não apresentam mais respostas para os diversos problemas que posteriormente virão a acontecer. O homem contemporâneo presencia o seu fracasso, testemunhando massacres humanos com o aval da razão, da ciência e das ideologias.

A primeira oposição a esses “intocáveis” valores é testemunhada com o surgimento da corrente surrealista. O surrealismo caracterizava-se por uma postura que recusava qualquer determinação e conceitos absolutos soavam com certo tom pejorativo. O surrealismo contribuiu para o surgimento de uma perspectiva negativista, em que a abstração passiva, que não possuía uma ligação real ou concreta com a realidade, fosse posta de lado. Mas o grande problema do surrealismo foi, justamente que a negação consistia um fim em si mesmo e o que antes era tido como alienação, por não corresponder com a realidade, passa a ter um novo rosto. A negação encaminhou o pensamento para uma forma de alienação que retirou a possibilidade de oposição.

Novamente a história tratou de trazer de volta a realidade e os fracassos. O surgimento de partidos totalitários, o crescimento de ideologias xenofóbicas (nazi-fascismo) esmagou o sonho surrealista fazendo com que este fosse mais um acontecimento que, jogado agora no tempo, presenciaria seu fracasso. 

Albert Camus, dentre outros escritores engajados, presenciou concretamente esses acontecimentos, vislumbrou com seus próprios olhos o percurso titubeante que a humanidade construiu. A transcendência sai de foco, o homem mais uma vez se vê sozinho e descrente, pois a crença cristã no humanismo e no marxismo fora assolada e “o mundo tornara-se vazio de valores e os escritores e artistas abandonaram o culto do absoluto e lançaram-se à procura de indicações que pudessem conduzir à criação de novos valores (...)”[2], que surgem no seio da incredulidade, numa época em que os valores perdem sua força.

A obra de Camus inclui-se nestas características e reflete, de maneira sincera, essa época em que as crenças foram demolidas. Seus personagens desvencilham-se daqueles do período romântico, propõem valores novos criados por si próprios. E uma característica comum aos escritores dessa época consiste numa certa dependência entre a obra e as vivências de cada um. Tudo que está sendo vivido e pensado é relevante à produção literária, as obras não se desligam dos acontecimentos contemporâneos a elas; não se encaixa mais aqui a abstração passiva; fruto da imaginação e desconecta com o presente, do romantismo do séc.XIX. Os escritos deste período carregam consigo a marca das experiências cotidianas.

É possível observar em Camus essa dependência com a época, muitas das suas produções intelectuais estiveram intimamente associadas às experiências que ia acumulando. Termos como absurdo e revolta, categorias estas muito trabalhadas surgiram, pode-se assim dizer, do universo político-social em que o mesmo estava inserido. Este escritor possuía de fato características próprias, um estilo sui generis de escrever, a sua peculiaridade residia no fato dele ter a capacidade de criar “uma obra imersa no real e no concreto”[3].

O autor de O estrangeiro [1942] nasceu em 7 de novembro de 1913 em Mondovi (Argélia). Filho de agricultor morto na primeira guerra mundial, Camus teve uma infância pobre, tendo sido criado junto ao seu irmão Lucien por uma mãe surda, uma avó rígida e um tio enfermo. A pobreza não foi uma variante que o impedisse de estudar. Apesar do seu irmão mais velho já trabalhar, tinha para si a regalia de poder estudar e, com isso, mostrava-se diferenciado nos estudos onde graças a um professor, ele é motivado e consegue posteriormente uma bolsa no liceu. Convencido de que era pobre, vislumbrou nos estudos a possibilidade de enfrentar a vida e seus obstáculos. Ao contrário de outras famílias em condições semelhantes, não herdara a descrença e o conformismo, mas foi na experiência da miséria que presenciou o sentimento e o significado da liberdade. “À miséria serviu-lhe como escola de descoberta do próprio homem e da necessidade da criação de novos valores que o ajudassem a construir um novo mundo”[4].

Foi um homem envolvido com as causas sociais e preservava uma postura política compromissada e crítica. Embora de índole pacifista participou na edição de jornais políticos, a exemplo do Combat, jornal parisiense de caráter anti-fascista e teve uma vida clandestina.  Foi também um dos fundadores do Théatre Du Travail, “fundado para montar bons espetáculos tanto para o povo como para os intelectuais progressistas”[5], época em que dirigiu a “Casa de cultura de Argel”[6]. Experiências que contribuíram de uma forma ou de outra na sua maneira de escrever, como também nos questionamentos propostos por ele, que de fato possuíam grande relevância num período tão conturbado como foi o entre-guerras e que até os dias atuais provoca grandes discussões.

Outro fato interessante que marcou tanto o universo acadêmico desse período como a vida de Camus, foi a relação entre idéias e posicionamento político. O pluralismo ideológico deu espaço para inúmeras críticas entre os diversos escritores deste período. A indiferença residia justamente no posicionamento ideológico que cada um sustentava e que era possível ser identificado nas obras e posturas.

Marcado pelos fatos históricos que iam se desdobrando na Europa do séc.XX, no caso específico as duas guerras mundiais, Camus rejeitou as interpretações, ou melhor, as hipóteses metafísicas e teológicas para a explicação da existência. Via que os empreendimentos humanos não passavam de fracassos e ao contrário dos românticos do séc.XVIII, que acreditavam num tipo de ideal humano, desacreditava o homem apontando a mesquinhez da existência humana e ausência de sentido.

No período entre a década de 50 e 60, Camus se envolveu com diversos movimentos, entre eles o problema argelino, do qual sempre foi compromissado, época em que coincide com a publicação do livro La Chute [A queda].  Em 1957 recebe o prêmio Nobel de literatura consagrando sua carreira e “durante 1958 e 1959 começa a trabalhar no seu romance inacabado ‘Le Premier Homme’ [O primeiro Homem]”[7]. A agitação do pós-guerra inquieta os escritores que vêem certa necessidade em sublevar, a violência é um fato irredutível e os protestos são inevitáveis. Quando em janeiro de 1960 morre Albert Camus num desastre de automóvel, em suas mãos fora encontrado um romance inacabado, O primeiro homem, junto com ele a suspensão da vontade de vislumbrar um mundo novo.


1.2. O engajamento literário de Camus no seu tempo


A descrença acompanha o homem do séc.XX, conceitos e valores que se mantinham perdem agora sua força e, desacreditados, caem no desuso. O niilismo se instaura, toda a estabilidade anterior desmorona e o homem se vê sozinho sem explicações sobre a sua existência. É neste ambiente que a literatura e a filosofia assentam adquirindo um novo caráter engajado e ativo.

Se o surrealismo perdeu sua força justamente por acreditar que sua postura, em sim mesma já manifestava o espírito revolucionário, o que com isso terminou “por levar o pensamento para uma forma aguda de alienação”[8], a literatura, juntamente com a filosofia, vislumbrou a necessidade de se engajar. “O engajamento implica com efeito numa reflexão do escritor sobre as relações que trava a literatura com a política (e com a sociedade em geral) e sobre os meios específicos dos quais ela dispõe para inscrever o político na sua obra”[9].

A literatura assegura novas características e a revolta do séc. XX revela uma nova face sustentada pelo conceito de absurdo. Este conceito pressupõe o fim da dicotomia entre o bem e mal, o certo e o errado e a vida humana torna-se incoerente, ilógica, incompreensível. Os personagens dos escritos desta época aderem a novas posturas, vivem em ambigüidades morais que impulsionam a tomar decisões condenadas e julgadas por alguma moral tradicional. É possível observar a coerência com os fatos, as idéias abstratas caem no desuso, pois não pertencem à nossa realidade e mais parecem insultos contra as coisas e o mundo palpável. De fato, essa literatura vai responder a essa época, refletindo sobre “a vida concreta e absurda do homem”[10].

Toda a agitação do pós-guerra foi de fato relevante para a construção dessa percepção artística atrelada à postura política. Não há como separar o artista ou escritor, e a arte da política.  O engajamento foi inevitavelmente “um fenômeno próprio do século XX”[11].

Aquele romantismo preso aos ideais absolutos e inalcançáveis é incompatível com essa nova postura. Aqui, não se pretende mais alcançar algo num futuro incerto, pelo contrário, o escritor do absurdo vive constantemente com a idéia de mudança e o engajamento configura-se numa “consciência lúcida do escritor de pertencer ao mundo e vontade de mudá-lo”[12]. As produções artísticas vivenciam o presente intensamente, descrevem-no, assim como, também, conjecturam opiniões acerca dos problemas e acontecimentos presenciados. O escritor insere os acontecimentos exteriores em suas obras, de forma análoga, metafórica ou poética, o que é de fato uma escrita para o presente, contrária às teorias que apostam numa posterioridade intangível.

“É preciso que o escritor aceite escrever para o presente”[13], assumindo sua época de forma responsável. Os escritos sofrem forte influência da época, não são produções aparte do seu tempo, nem tampouco uma abstração desconecta com a realidade, derivada de fantasias. O engajamento é uma tendência inevitável e “o escritor engajado renuncia portanto apostar na posterioridade e escolhe resolutamente responder às exigências do tempo presente”[14].

Albert Camus é um exemplo de literatura engajada, além de escritor, participou ativamente de inúmeras atividades políticas. Suas obras se submetem ao conceito de engajamento, elas descrevem uma época conturbada em que valores, verdades e ideais foram desacreditados. Seus escritos estão associados a uma época em desestabilidade, em que o fracasso do progresso, da ciência e da democracia determinou sua maneira de escrever. Sua vida esteve sempre relacionada com questões políticas, sendo um indivíduo preocupado com o homem e suas investidas.

Na contemporaneidade, existe uma preocupação manifesta nas obras com os problemas políticos e sociais, isto também sendo percebido nas obras de Camus. Ele foi um crítico da literatura preocupada consigo mesma, aquela literatura em que apenas a beleza estética era primordial. Este tipo de literatura, que não ultrapassa os limites do simples mundo dos “objetos estéticos”[15], está afastada das “contingências humanas e dos deveres que impõe o estado presente do mundo”[16] e, no mais, sua contribuição para o esclarecimento da existência é mínima.

Há portanto uma gravidade no engajamento: escrever é uma obrigação ou um dever que se impõe à liberdade do escritor. E o texto engajado é mais do que a manifestação dessa liberdade; ele é a sua realização plena e, com isso, o escritor engajado está totalmente presente na escritura: fruto da sua liberdade soberana, a sua obra só a concretizará plenamente se ele assumir a inteira responsabilidade daquilo que escreve[17].

A literatura engajada configura-se numa responsabilidade do autor perante sua época. Ela diz respeito ao modo de escrita que vislumbra referir-se a algo que seja relevante ao tempo presente, afastando-se daquela literatura que preza apenas pela forma estética. “Nada é mais nefasto que o exercício literário que se chama, creio, prosa poética, que consiste em usar palavras pelos obscuros acordes harmônicos que ressoam em torno delas, sentidos vagos, em contraposições ao significado claro”[18].

O escritor engajado pretende com seus escritos dizer algo sobre sua época, e no mais, restituir o verdadeiro sentido das palavras, reintegrar as palavras, o seu verdadeiro poder de elucidar, esclarecer, conhecer e emancipar.

Essa escrita engajada demonstra justamente o porquê de certos autores, a exemplo de Camus, terem se filiado ao partido comunista (PC). Uma suposta necessidade irremediável de mudança urgente, de ver os ideais se concretizar numa época desnuda de valores. O escritor consciente é responsável por sua época e, por assim ser, é um indivíduo compromissado com os acontecimentos que o circundam, sendo, desta forma, inevitável o engajamento.

Albert Camus se filiou ao partido comunista no ano de 1935, exerceu a profissão de jornalista expondo toda a sua preocupação com o homem. Via no comunismo uma experiência que possibilitasse ao homem o reencontro com a idéia de eternidade, ou ainda, “uma moral na qual o homem se baste [...]”[19].  Não era um ortodoxo marxista, mas sentiu precocemente uma suposta necessidade de se inscrever no partido. “Longa tentação, precipitada pelos acontecimentos, lançado numa busca do absoluto, ele faz uma experiência comunista”[20], embora não se pretendesse marxista.

Oposto ao totalitarismo stalinista, Camus, mais tarde, desvincula-se do partido comunista, denunciando as controvérsias do regime soviético. Atento aos desdobramentos da guerra e da ocupação, fatos que, grosso modo, influenciaram-no, saiu em defesa dos direitos humanos, dando primazia à liberdade como um bem comum a todos.

Essa era sua postura política que se lançava a propalar os direitos humanos denunciando as investidas contra a liberdade: “Camus comporta-se em política como um moralista, antes de tudo preocupado com a defesa de uma visão humanista do homem [...]”[21]. Descreve a existência prepotente do homem, demonstrando-o como ser fiel a sua condição, limitada, indeterminada e única. E, ainda, fazendo da literatura um instrumento de emancipação, uma escrita partilhada que faz com que os homens se identifiquem.


1.3. O mito de Sísifo e o problema do suicídio


É na obra O mito de Sísifo, texto de caráter ensaístico, que Camus construirá um debate acerca da existência humana diante de problemas ou experiências que colocam diante do homem o questionamento sobre o valor da vida. A finalidade desta obra “é discutir a atitude do homem diante de algumas experiências existências que o colocam diante dele mesmo tais como: o medo, o horror à morte, a ansiedade, a angústia, a frustração, a derrota, etc”[22]. Experiências que fazem o homem indagar acerca da problemática: “vale a pena viver?”[23]

O personagem mitológico grego Sísifo, rolando uma enorme pedra montanha acima que sempre volta a cair, representa precisamente a inutilidade do esforço humano. O mito também retrata a angústia, o desespero sempre presente nos autores do período entre-guerras, a desconfiança no homem e nas suas instituições que tendem na maioria das vezes ao fracasso. Diz algo sobre a condição humana reduzida a sua impotência tanto individual como coletiva, condenando o homem à incerteza do futuro.

Sísifo e a sua imagem de condenado pelos deuses a uma tarefa sem fim e inútil, representa de forma análoga o homem do absurdo camusiano. Para Camus, “Sísifo é o herói absurdo”[24], pois representa justamente o homem absurdo. Aquele indivíduo descrente, atormentado e desiludido pelos seus esforços inúteis, numa época instável, onde o fracasso e as incertezas predominam e a existência se torna absurda por ser de fato indeterminada. Seu desprezo pelos deuses, seu ódio à morte e sua paixão pela vida lhe valeram esse suplício indizível no qual todo o ser se empenha em não terminar coisa alguma”[25].

A figura de um ser condenado a um trabalho inútil recorda, assim como descreve Camus, a figura do operário dos dias atuais. Remete àquele operário que trabalha todos os dias, de certa forma, numa rotina cansativa e inútil. “O operário de hoje trabalha todos os dias de sua vida nas mesmas tarefas, e esse destino não é menos absurdo”[26].

Vislumbra-se uma existência sem finalidades, solta em ações desconectas que transcorrem para um futuro incerto.  Sísifo representa o homem absurdo porque é consciente de suas limitações, da sua condição e do seu destino esmagador.

O problema acerca do sentido da vida terá primazia sobre qualquer outro problema, será o ponto central da filosofia, no qual o suicídio se apresentará como um fenômeno relevante, pois coloca esse questionamento para o homem.  Na obra O Mito de Sísifo, as estruturas do suicídio são apresentadas e nas primeiras linhas o autor francês afirma: “Só existe um problema filosófico realmente sério: o suicídio”[27].

O suicídio apresenta-se como um fenômeno complexo que deve ser analisado de maneira minuciosa. Para Camus, primeiro se faz necessário se perguntar sobre o valor da vida, o questionamento acerca da vida é uma prioridade, superior a todos os outros. O suicídio põe este questionamento ao homem e por isso ele se apresenta como um problema relevante para a filosofia.

Esta obra difere a filosofia de Camus das filosofias existencialistas e, ainda, desenvolve um ensaio acerca do absurdo e aponta o suicídio como um problema filosófico, pois, segundo ele, “questionar se a vida vale a pena ser vivida é responder à pergunta fundamental da filosofia”[28].

Pode-se sugerir que esse questionamento apresenta-se como novo paradigma filosófico para o séc. XX e evidencia a preocupação do pensador francês com o problema do suicídio, pois, comumente se tratou o suicídio como um fenômeno social, mas nunca se aprofundou sobre tal assunto. Para ele, investigar as causas que levam o homem a tirar sua própria vida é em suma a mais premente das perguntas.

Inúmeras são as causas que levam um determinado homem a privar sua vida, uma doença incurável, falência econômica, a morte de um ente querido, mas todas essas causas são apenas aparentes, óbvias em certo sentido, porque a eficácia de tais causas é questionável o deixa indeciso, ou ainda, “nem sempre as causas mais aparentes foram as mais eficazes”[29]. E o impulso repentino que o homem dá de encontro à morte é algo complexo e na maioria das vezes inexplicável.  Nesta perspectiva o absurdo configura-se, para Camus, como principal motivador deste ato.

A figura mitológica de Sísifo transparece a postura do homem absurdo. Para Camus, Sísifo enfrenta sua condição, ele não se resigna diante do trabalho inútil. Por outro lado, ele tem consciência da inutilidade do seu trabalho, dessa sua condição de condenado e assume esse seu destino esmagador. É justamente essa consciência perante sua condição que Camus afirma ser sua suposta alegria. “Toda alegria silenciosa de Sísifo consiste nisso. Seu destino lhe pertence”[30].

O homem absurdo, assim como Sísifo, tem consciência da inutilidade dos seus esforços. Tudo perde seu sentido e, desta maneira, o mundo e a vida se torna um absurdo. Camus ao usar a figura de Sísifo transmitiu com ela a imagem do homem diante da vida absurda. Um homem ativo, ou melhor, revoltado, que não se resigna, mas, assume a sua condição, o seu destino cruel. “No instante sutil em que o homem se volta para sua vida”, segundo Camus, “Sísifo, regressando para sua rocha, contempla essa seqüência de ações desvinculadas que se tornou seu destino, criado por ele, unido sob o olhar de sua memória e em breve selado por sua morte”[31].

Desta forma, Sísifo é o mais digno exemplo do homem absurdo, aquele que se opõe, mesmo condenado a esta vida, a querer se matar. Sísifo vislumbra na sua luta diária a possibilidade de se chegar ao cume da montanha, não de maneira esperançosa, mas porque esta luta é necessária para viver.

Portanto, o absurdo se apresenta como causa motivadora para o suicida, pois aquele que se suicida, de qualquer maneira, sentiu o absurdo da existência. Mesmo não tendo conhecimento acerca da existência absurda, este sentimento o conduziu a querer almejar a morte.



2. Sísifo e a experiência do absurdo




2.1. O suicídio e a existência no absurdo


O desenvolvimento do conceito de absurdo foi bastante elaborado por Albert Camus. Sua tese acerca do absurdo está explicitada na obra O Mito de Sísifo, onde “encontramos [...] a investigação racional de uma constatação existencial”[32]. O absurdo, na concepção camusiana possui uma característica especifica. Nela “o absurdo apareceu mais como um sentimento, relacionado com suas preocupações morais e teológicas, do que como uma categoria metafísica”[33].

O conceito de absurdo também está presente em outras obras do Camus, mas é no Mito de Sísifo que ele adquire uma característica filosófica e sistemática. De fato, seus livros anteriores transmitiam a idéia do absurdo, de forma lírica, ou seja, são escritos de caráter “poético” e na forma romanesca. Mas é justamente nesta obra que o autor francês se empenha de maneira rigorosa numa investigação filosófica do conceito. Ele percebe o quanto é relevante para sua filosofia de vida ter o absurdo, este sentimento que surge da incompatibilidade do mundo com as categorias racionais, como um dado, ou melhor, um fundamento para a existência. “O livro é uma análise em profundidade desse sentimento, que passa a constituir na verdade um ponto de referência essencial para a compreensão do mundo camusiano”[34].

Seu objetivo é propor uma reflexão acerca de algumas experiências existenciais que imprimem no homem a sensação, ou ainda, o sentimento absurdo da existência. E é justamente dessa perspectiva que surge o suicídio como um fato relevante de ser analisado filosoficamente. É o suicídio um acontecimento que coloca ao homem o dilema sobre o valor da vida: vale ou não a pena viver?

De início, Camus investiga as causas que levam um determinado sujeito a privar-se da sua própria vida. Procura uma suposta causa que lança o sujeito a um estado em que a existência perde todo o seu significado e, assim, o absurdo se apresenta. Condição que torna a existência vazia de valores, crenças e fundamentos, onde o mundo e a vida apresentam sua face obscura. E, nesta condição, o sentimento de negação surge e carrega consigo a aspiração ao nada, ou melhor, à morte.

Camus descreve sobre a estabilidade da vida humana, atribuindo este caráter estável da existência aos costumes. Essa postura impede o homem de refletir sobre o mundo e sua própria existência, estando ele jogado numa dimensão que o ilude e condiciona a viver alienadamente. São os costumes que contribuem para a conservação do homem nessa ilusão habitual dos dias e que o faz manter-se vivo. É este mundo familiar de certo modo que sustenta sua dormência e o imersa no mundo. Escorregando no tempo, toda sua vida se mostra habitualmente a mesma. Mas um dia subitamente o porquê invade o coração do homem e o lança atônito numa outra realidade da qual era indiferente ou, ainda, segundo o próprio Camus: “um belo dia, surge o ‘por quê’ e tudo começa a entrar numa lassidão tingida de assombro. [...] Depois de despertar vem, com o tempo, a conseqüência: suicídio ou restabelecimento”[35].

Percebe-se a incompatibilidade do mundo com a vida ordenada, a mesquinhez da existência humana e a ausência de sentido, onde o mundo mostra sua face desumana. Todas essas características são reflexos daquilo que Camus nomeia como sendo o “absurdo”. Os costumes que antes mantinham a chama da vida no peito do homem perdem sua força e ele constata que está perdido e solitário, num mundo ao qual não o conhece e nem se reconhece, e nesta situação alguns homens decidem dar um fim às suas próprias vidas. Como afirma Camus: “morrer por vontade própria supõe que se reconheceu, mesmo instintivamente, o caráter ridículo desse costume, a ausência de qualquer motivo profundo para viver, o caráter insensato da agitação cotidiana e a inutilidade do sofrimento”[36].

Nesta lógica, quando o mundo e a vida perdem o seu valor, a sua suposta estabilidade, tudo em volta do homem se torna indiferente e este se confronta com o vazio. As ilusões são privadas e ele se sente como um estrangeiro, num mundo que não é o dele. “Esse divórcio entre o homem e sua vida, o ator e seu cenário é propriamente o sentimento do absurdo”[37]. E é justamente esta sensação do absurdo da existência que irá guiar toda sua vida.

Assim como a vida, o absurdo também preside a morte e por isso torna-se relevante este problema sobre todos os outros. É na relação entre o suicídio e o absurdo que se evidencia uma resolução ao problema do suicídio e, com isso, refletir se é o suicídio uma solução para o absurdo da vida, ou um ato de consentir diante do absurdo. É ante a experiência do absurdo que o suicídio se explica. Camus afirma que “matar-se, em certo sentido, é como no melodrama, é confessar. Confessar que fomos superados pela vida ou que não a entendemos”[38].

A pergunta sobre o valor da vida leva o homem a se despertar do mundo familiar em que vive, esse despertar transfigura em sentimento e inquieta o sujeito perante a vida aparente em que está submerso, pois, antes do absurdo, o homem possui metas, acredita que alguma coisa na sua vida pode ainda ser dirigida e age como se fosse livre. Se a vida tem ou não um sentido é um dilema que a torna absurda, em que refletir sobre o problema do absurdo possibilita buscar uma resposta para o problema da existência e, no mais, saber se o suicídio é uma saída, ou melhor, uma resposta para tal problema.

O problema do suicídio leva à questão: “há uma lógica que chegue até a morte?”[39] A resposta está no que Camus chama de “raciocínio absurdo”, uma reflexão sobre o absurdo que possibilita responder se a vida vale a pena ser vivida ou não.

Percebe-se o contraste da vida com o mundo, a incompatibilidade das ações com a natureza e a evidência da mediocridade da existência humana. O mundo se torna indiferente e o homem se choca com as incertezas que agora se tornam condição e, no mais, viver ou não é um dilema que o desespera. As respostas sobre a existência perdem seu valor, a vida é uma incógnita e não existe mais saída ou esperança. Desta forma, o desejo de morrer constitui de algum modo uma suposta solução.

Mas, para Camus, só aparentemente o suicídio resolve o problema do absurdo. O impulso que lança o homem a se questionar sobre o valor da vida é ao mesmo tempo necessário para a existência, pois faz do homem que tem conhecimento sobre o absurdo da vida querer vivenciá-lo, ou ainda, faz do homem absurdo um sujeito que enfrenta o seu próprio absurdo mantendo-se vivo. “A lição de Camus é a de que a vida no desespero, desde que este seja consciente, é digna do homem”[40].


2.2 O homem absurdo e a recusa do suicídio


Na filosofia camusiana há duas formas de suicídio que podem ser encontradas em O Mito de Sísifo. O suicídio físico que leva o indivíduo a se autodestruir e, com isso, retirando de si mesmo a possibilidade de viver o absurdo; o suicídio filosófico, que afasta a razão e conduz o homem a criar um mundo fictício onde o absurdo se torna obscuro, desconhecido. Essas duas formas de suicídio, segundo Camus, resolvem aparentemente a questão do suicídio, mas é oposta a postura do homem absurdo que, sabendo de suas limitações, não foge. Tirar a própria vida configura-se num certo desconhecimento diante do sentido da existência e construir um mundo irreal com o aval da razão é submergir na obscuridade assumindo uma postura fictícia e incoerente com a condição humana.

Outro ponto relevante é a liberdade do homem absurdo. Para Camus, o homem absurdo “compreende que não é realmente livre”[41], pois está preso a sua condição humana e medíocre, tem a consciência de que a liberdade é mais uma construção, um ideal vago e insustentável. “Da liberdade só posso ter a concepção do prisioneiro ou indivíduo moderno no seio do estado. A única que conheço é a liberdade de espírito e da ação”[42], argumenta ele.

O absurdo destrói a idéia de uma liberdade eterna, mas, por outro lado, coloca para o homem a liberdade do espírito e da ação. É contrário aos manuais de ética que vislumbram um ideal de liberdade eterna que todos almejam alcançar. Por conseguinte, só existe a ação, o agir presente, sem perspectivas de futuro, o agir agora impulsionado pela vontade. Conforme sustenta Camus: “O absurdo aniquila todas as minhas possibilidades de liberdade eterna, também me devolve e exalta, pelo contrário, minha liberdade de ação”[43].

              A idéia de que tudo tem um sentido, ou ainda, de que a vida tem um sentido, cai por terra pela certeza da morte. O homem absurdo é oposto às tentativas de interpretação da existência, ele exclui as metas e a esperança em detrimento do aqui e agora, e toda ilusão do almejar um fim desejado configura-se em certa obstrução à vida.

Para ficar claro, na medida em que tenho esperança, em que me preocupo por uma verdade que me seja própria, uma maneira de ser ou de acreditar, na medida, enfim, em que organizo minha vida e provo assim que admito que ela tem um sentido, crio barreiras entre as quais recluo minha vida[44].

O homem absurdo mergulha na incerteza da vida, vive cada segundo como se fosse o último e fora do sono cotidiano retorna à consciência. “A vida é curta e é um pecado desperdiçar o tempo”[45]. Viver melhor não interessa e sim, viver mais e esgotar tudo o quanto possível. “O presente e a sucessão de presentes diante de uma alma permanentemente consciente, eis o ideal do homem absurdo”[46].

Por isso que a idéia do suicídio não se configura numa resposta à existência absurda. Negar a vida é retirar todas as possibilidades e, no mais, é incompatível com o caráter do homem absurdo. Essa condição absurda, que é injusta, incompreensível e esmagadora, de nenhuma forma faz com que o homem absurdo negue sua existência, mas devolve a ele a única saída: viver.  “Viver é fazer com que o absurdo viva, e fazê-lo viver é, antes de mais nada, contemplá-lo”[47].

A experiência do absurdo é contrária ao suicídio e este não é o seu desenlace lógico. O absurdo em si é “consciência e recusa de morte”[48]. Aceitar o absurdo da existência é aceitar o destino esmagador que nos espera, é não resignar-se perante as dificuldades. O homem absurdo possui consciência de suas limitações e vive toda sua vida com intensidade, sem apelações ou esperanças. Estando indiferente ao futuro e buscando a todo custo esgotar todos os momentos da existência.

O homem absurdo é aquele que vive com as incertezas, indiferente com o eterno e com o futuro, sabe suas limitações e procura viver com o que tem sem apelações, como aquelas interpretações racionais sobre a existência e, ainda, a esperança de algo melhor que o faça enfrentar o absurdo da vida. Afirma Camus, ainda sobre o caráter do homem absurdo: “aquele que, sem negá-lo, nada faz pelo eterno. Não que a nostalgia lhe seja alheia. Mas prefere a ela a sua coragem e seu raciocínio. A primeira lhe ensina a viver sem apelo e a satisfazer-se com o que tem, o segundo lhe ensina seus limites.”[49]

É um homem alheio às determinações, submetido ao mundo incerto e incompatível com suas interpretações, mas consciente de seus limites e de sua condição. Não vive para o além, isto não passa de uma expressão fictícia e ilusória que falseia o verdadeiro caráter da existência. Ele prefere o nada a interpretações vagas que remetem a possíveis incertezas. E se há uma vida maior, esta é um insulto à vida.

Enfrentar a existência sem resignação, sem apelação, na linguagem camusiana, é a postura do homem absurdo que, diante do mundo indiferente e do futuro incerto, prefere estar vivo. Assim como acontece num outro livro do Camus, O estrangeiro [1942], em que a personagem principal, de nome Mersault, sente-se indiferente com o mundo e seus costumes. Nenhuma religião, ideologia e nem mesmo a ciência lhe faz o menor sentido. Depois de ser condenado à morte por ter matado um árabe, ele desperta do sono cotidiano e se vê em uma outra realidade que faz nascer dentro de si uma consciência perante a vida e o mundo. Mersault é o exemplo do homem absurdo, “por detrás de L’Étranger havia o ‘mito de Sísifo’ e o ‘homem revoltado’, toda a filosofia humanista de Camus”[50].

O Estrangeiro constitui o modelo individual do sentimento do absurdo. Já numa outra obra, A Peste [1947] constata-se a experiência coletiva. Toda uma cidade desperta para a consciência depois de se ver isolada do mundo, devido a uma epidemia que surge sem explicações. A vida cotidiana dos negócios é rompida e a cidade é lançada num mundo indiferente, em que o sentimento da morte é constante. Os hábitos não se sustentam, assim como os valores acerca da vida. A peste coloca o absurdo da vida para toda uma cidade trazendo consigo a consciência que recusa esse destino injusto e cruel. “Foi a partir desse momento que começou o medo e com ele a reflexão”[51].

Se a vida não tem sentido, isso é uma condição que faz com que o homem absurdo queira vivê-la justamente por isso. Esta filosofia de vida consiste justamente na aceitação plena da vida, do destino incerto reservado a cada um. Deve-se viver intensamente as situações colocadas pela vida. Tentar negar por medo ou sofrimento configura-se em covardia e isso é oposto ao caráter do homem absurdo. O homem deve enfrentar o absurdo, e enfrentá-lo é fazer com que ele viva, pois ele está presente em nossas vidas todos os dias.

Verifica-se também um questionamento ético, onde Camus responde acerca da existência de uma possível moral do homem absurdo. Essa não se baseia em regras de conduta, um tipo de manual moralista que dita ao homem como se comportar. “O homem absurdo só pode admitir uma moral, aquela que não se separa de Deus: a que se dita. Mas ele vive justamente à margem desse Deus”[52]. Ele vê nas diversas morais uma justificativa inútil. “Quanto às outras morais (incluo também o imoralismo), o homem absurdo não vê nelas senão justificativas, e não há nada a justificar”[53]. Isso não significa que tudo é permitido, que o homem pode agir de qualquer forma irresponsavelmente, pelo contrário, todas as suas ações possuem um peso a ser aceito. “O absurdo apenas dá um equivalente às conseqüências de seus atos”[54]. E mais, “todas as experiências são indiferentes, a experiência do dever é tão legítima quanto qualquer outra. Pode-se ser virtuoso por capricho”[55]


2.3. A posição filosófica do absurdo


Para Camus, o homem absurdo não deve privar a sua vida por ela não ter nenhum sentido, pelo contrário, a vida “será tanto melhor vivida quanto menos sentido tiver”[56].  Quando o homem presencia o absurdo da existência, ele não se sujeita de forma passível, mas busca se ordenar diante das incertezas, ou melhor, procura viver com o que tem, sem almejar salvações, ou seja, sem apelações que tentam inutilmente velar a realidade absurda.

Assim, o que ele exige de si mesmo é viver somente com o que sabe, arranjar-se com o que é e não admitir nada que não seja certo. Respondem-lhe que nada é certo. Mas isto, pelo menos, é uma certeza. É com ela que tem que lidar: quer saber se é possível viver sem apelações[57].

Desta forma, o suicídio configura-se num certo tipo de desconhecimento, pois, privar-se da vida é não ter o conhecimento acerca do absurdo da vida. Para o homem absurdo só resta uma única condição, viver intensamente a vida tendo a consciência dos seus limites e do futuro incerto que o espera. O absurdo é um sentimento particular é um confronto perpetuo entre os esforços humanos e o mundo.

Trata-se de aceitar o ardor da existência sem consolos e de maneira alguma resignar-se com os fatos que a vida impõe. Saber aceitar o absurdo, este sentimento injusto e severo, contentar-se com o que tem e não desejar o impossível. Ter paixão pela vida, agarrar-se a ela com unhas e dentes, extraindo deste ambiente todas as forças necessárias à sobrevivência. “A vida para o raciocínio absurdo é um bem necessário, porque ela permite a existência dessa tensão e sem ela o absurdo não teria condições de existir. O homem precisa estar vivo para dizer que a vida é absurda”[58].

É neste sentido que o homem absurdo deve negar o suicídio, pois o suicídio tira do homem a possibilidade de viver o absurdo. O suicídio é uma espécie de fuga, ou ainda, de negação do confronto entre o homem e o mundo indiferente, ilógico e indeterminado.

Camus era, por assim dizer, um apaixonado pela vida. Ao descrever o absurdo da existência vislumbrou um universo em que a vida e o homem se relacionavam num ambiente sem explicações, sem privilégios e certezas. Contrário às degradações do humano por parte da razão exacerbada que levou a inúmeras violências contra o homem, suas obras giram em torno dos acontecimentos de sua própria vida, nesta observa suas limitações, seus sofrimentos e a maneira como encarou sua vida, através de seus escritos e sua postura política. Mesmo com todas essas barreiras, ele foi alguém que acreditava na vida e sentia profundo respeito por ela.

Para Camus, viver é um desafio ou, ainda, uma luta perpétua que faz com que o homem se arranje como puder. Do mesmo modo, Sísifo, quando enfrenta seu destino, solitário, avista o cume da montanha, sabe que alcançá-lo será um esforço inútil, mas não se resigna, levanta a cabeça e começa tudo outra vez. Esse trabalho árduo o mantém vivo.

Mas Sísifo ensina a fidelidade superior que nega os deuses e ergue as rochas. Também ele acha que está tudo bem. Esse universo, doravante sem dono, não lhe parece estéril nem fútil. Cada grão dessa pedra, cada fragmento mineral dessa montanha cheia de noite forma por si só um mundo. A própria luta para chegar ao cume basta para encher o coração de um homem. É preciso imaginar Sísifo feliz[59]. 

Quando o absurdo se instaura e o homem tem conhecimento dele, tudo ao seu redor se torna indiferente. A revolta, o rebelar-se diante desta condição será outra atitude diante do absurdo. A revolta é o sentimento que valoriza a vida a cada segundo, pois, só resta ao homem absurdo não “fazer outra coisa senão esgotar tudo e se esgotar”[60]. Assumir este mundo como sua única morada tendo consciência das suas limitações e do absurdo da vida.

Seguindo esta lógica surge o conceito de revolta, não como um desenlace lógico, mas como uma problemática que teve início juntamente com a reflexão sobre o suicídio e o absurdo. Camus era um homem revoltado porque não se conformava diante dos acontecimentos absurdos da existência. Viu as duas grandes guerras destruir o sonho humano de reconstrução espiritual e social. Uma época que trouxe consigo a necessidade de mudanças, do questionar consciente todos os dias e não aceitar tudo aquilo que vai contra a liberdade. Surge então a revolta, como um reivindicar de uma possível clareza diante da obscuridade da vida, certa atualização da existência a cada instante, pois não existe mais Deus e nem valores que se sustentem, a guiar e explicar a vida.

A revolta surgirá, portanto, como consciência perante o absurdo da existência. É ela quem informa os limites, mas sem conformidade faz o homem questionar o dia a dia. Quando o homem diz não ao absurdo, esse não ao mesmo tempo configura-se num sim, um sim à vida, ao querer vivê-la intensamente questionando-a e tendo a certeza de sua condição limitada. “Essa revolta é apenas a certeza de um destino esmagador, sem a resignação que deveria acompanhá-la”[61].

O problema do suicídio se resolve pela via do absurdo. É este que desestabiliza o homem e põe o dilema se a vida vale a pena ser vivida ou não. O suicídio, de certa maneira, pode ser entendido como uma resposta ao absurdo, mas a revolta também o é.





3. Sísifo e a experiência da revolta




3.1. O suicídio e a existência na revolta


Se o absurdo desperta o homem de sua aparente estabilidade, imergindo-o numa realidade indiferente, ele aponta dois viés, os quais seriam: privar a vida diante da perda de sentido, o que se traduziria num certo ato de ignorância, pois, para Camus, “o suicídio é um desconhecimento”[62], ou enfrentar a vida fazendo com que o absurdo viva. “Daí Camus concluir que a única posição filosófica válida é a da revolta. O homem revoltado é aquele que enfrenta o seu próprio absurdo”[63].

Essa posição filosófica surgirá justamente no “confronto perpétuo do homem com sua própria escuridão”[64], surgindo da necessidade de transparência diante do mundo e da existência absurda. Este conceito também é conseqüência da reflexão acerca do suicídio e do absurdo iniciados na obra O mito de Sísifo. Mas é justamente na obra O homem revoltado [1951] que este conceito adquire um caráter mais sistemático e, por isso, filosófico.

Essa revolta difere das definições e outras interpretações acerca do termo que surgem com os mais diversos movimentos históricos. A revolta surrealista possui de fato alguma ligação com o termo empregado por Albert Camus. O simples fato de negar as expressões e interpretações que visavam o absoluto, o eterno, postura essa assumida pelos surrealistas, constitui fundamentalmente esta simples ligação, mas o conceito camusiano de revolta insere-se numa perspectiva de mundo, num contexto e no desenvolvimento de um paradigma inovador que surge no séc. XX.

Nessa mesma lógica, a revolução também será outro termo que se confundirá com o conceito de revolta. A revolta produz um movimento que vislumbra a questão política e social, mas, diferente da revolução, não estagna. A revolução, ou ainda, “a ilusão da revolução está no fato de que ela por sua própria natureza procura o absoluto e quando chega ao poder este absoluto, já definido e estabelecido, não admite contestação”[65]. A contestação e também a solidariedade são condições que dão origem à revolta.

Partindo do conceito de absurdo desenvolvido por Camus, em que a vida se apresenta de maneira ilógica, onde o homem e o mundo indiferentes travam um confronto perpétuo, a revolta irá surgir como um dado na experiência, ou melhor, uma atitude que irá informar ao homem a sua verdadeira condição diante desse universo esmagador. A revolta surge da experiência humana do absurdo configurando-se numa consciência que comunica seus limites, afastando dele o ato de recusar a vida. E por assim ser, será mais uma postura que negará a idéia de suicídio.

Na obra O mito de Sísifo, Camus, através da reflexão acerca do absurdo, acaba por condenar o suicídio, demonstrando que a postura do homem absurdo é contrária ao do suicida. O homem absurdo quando descobre o absurdo da existência não procura fugir ou afastar-se dele, mas vivencia-o por completo tentando esgotar cada segundo da sua existência. Ele não admite o suicídio, pois para constatar o absurdo da vida deve-se estar vivo. A revolta será o questionar sempre, sem resignação, informando a verdadeira condição do homem, mas ao mesmo tempo impulsionando-o a lutar por aquilo que é seu de direito.

A revolta permite que o homem tome consciência do seu próprio valor, que se transforma então na própria razão de ser de sua existência. Nada terá mais sentido se não for respeitado aquilo que lhe é essencial. Por isso o revoltado aceita, inclusive, o risco de morrer pelas razões de sua revolta[66].

A revolta consiste num tipo de negação diante do absurdo da vida. Ela nega, mas não recusa a vida. A partir do momento em que o homem nega sua condição reivindicando o seu direito de viver de outro modo, será esta a postura do homem revoltado.  Quando o sentimento do absurdo se instaura no peito do homem e a vida e todas as outras coisas perdem o sentido, a revolta surge fazendo com que o homem se inquiete perante esta condição. Ela é o agir, o querer transformar mesmo sem ter a certeza se seus esforços são úteis ou não. “A revolta nasce do espetáculo da desrazão diante de uma condição injusta e incompreensível. Mas seu ímpeto cego reivindica a ordem no meio do caos e a unidade no próprio seio daquilo que foge e desaparece”[67].

A revolta configura-se numa certa consciência perante o valor da vida. Se na experiência do absurdo tudo perde o sentido, se tudo aquilo que é essencial para a existência torna-se algo prioritário, o revoltado reivindica para si aquilo que lhe é essencial ou, ainda, aquilo que acredita ser seu de direito. Luta para alcançar o desejado mesmo que lhe seja arriscado, mesmo tendo consciência da sua real condição. Se a vida não possui nenhum valor, privar-se dela é um sacrifício inútil, pois é mais digno negar, ou melhor, revoltar-se diante dessa realidade procurando vivê-la intensamente, arranjando-se com o que tem.

A revolta visa à transformação que surge do agir humano, mas sem ter a certeza se este agir é legítimo ou não. Mesmo assim, ela impulsiona o homem, através desse agir, a analisar, diante da transparência impossível do mundo e da vida, as razões de sua revolta. Através desta análise ele tira suas conclusões, pois só através da revolta é possível dizer algo sobre a existência. O homem revoltado é aquele que descobre a fragilidade da vida e seus limites. Questionando a cada momento sua existência ele reivindica para si o que é seu.

No pensamento camusiano há dois tipos de revolta: a revolta metafísica que trata da insurreição do homem diante da sua condição e da criação, e a revolta histórica que diz respeito às insurreições, presenciadas na história, daqueles que se viam explorados, escravizados, e os quais lutavam por aquilo que achavam preferíveis, ou ainda, essenciais para si.

Na revolta metafísica o homem se volta contra a sua condição e toda a criação. A revolta do escravo está restrita ao desejo de sair do seu estado; é a revolta política. [...] Na revolta política o escravo nega o dono, como dono, e não como ser. A revolta metafísica é mais total, contestando a ordem estabelecida por Deus[68].

Nessas duas categorias, a revolta apresenta dois caminhos, um no plano do pensamento, o outro, no plano sensível. Este pode ser constatado na história, nos acontecimentos reais do dia-a-dia, na rebeldia cotidiana representada pelo agir humano. Duas batalhas travadas em planos distintos que, por assim serem, não se desligam, e diz respeito à inquietação do homem diante da existência.

Camus propõe justamente o conceito de revolta, pois esse conceito, ou melhor, essa postura, representa de fato uma condição do homem contemporâneo. A revolta assume este caráter relevante na contemporaneidade, é uma característica daqueles que presenciaram a época dos fracassos. Duas guerras mundiais, a religião como conhecimento supérfluo e a ciência enfraquecida de certezas. O homem mesmo tendo consciência dos seus limites preza pela vida e a revolta pressupõe o desejo pela justiça. “Contrapõe o que é preferível ao que não o é”[69]. É no conflito entre tudo ou nada, em privar-se ou não da vida, que o homem revoltado prefere o tudo incerto da vida ao nada da morte. A revolta o informa sobre a existência deste tudo ainda desconhecido, mas que de início o faz manter-se vivo. “Mas vê-se que ela é consciência, ao mesmo tempo, de um tudo, ainda bastante obscuro, e de um ‘nada’ que anuncia a possibilidade de sacrifício do homem a esse tudo”[70].

É como o exemplo do escravo que se rebela contra o seu dono. De início, sua vida escrava configura-se nesse nada, mas a partir do momento que se rebela começa a desejar um tudo ainda desconhecido que o faz sacrificar aquele nada anterior. O ato de se rebelar diante de sua condição vem à tona através da revolta que o informa sobre sua situação e o atiça a querer o que lhe é preferível.  “O escravo, no instante em que rejeita a ordem humilhante de seu superior, rejeita ao mesmo tempo a própria condição de escravo”[71]. Rejeitando, o escravo almeja ser uma outra coisa.


3.2 O homem revoltado e a recusa do suicídio


O homem vive constantemente num confronto entre ele e o mundo. Existe algo como um divórcio entre ele e o mundo que antes lhe era familiar, a revolta é um ato pós o sentimento do absurdo, pois para o homem que experimenta, ou ainda, presencia o sentimento do absurdo só resta revoltar-se perante essa condição, se iludir com as esperanças ou, na pior das hipóteses, privar-se de sua própria vida. A revolta é um tipo de recusa, mas uma recusa consciente que prefere a vida ao nada, enfrentar as situações por mais difíceis que elas pareçam ser. Por isso, para Camus a revolta é uma postura filosófica, uma atitude consciente diante da existência.

A revolta é um sentimento de inquietude diante da vida, que traz consigo a consciência e faz com que o homem não se resigne com os obstáculos que se mostram instransponíveis. Um enfrentar lúcido que informa o homem sobre o desafio da vida e seus limites. “Consciência e revolta, estas recusas são o contrário da renúncia. Pelo contrário, tudo o que há de irredutível e apaixonado num coração humano, lhes insufla ânimo e vida. Trata-se de morrer irreconciliado, não de bom grado”[72].

Justamente por isso que o suicídio configura-se num certo desconhecimento diante da existência. O homem que se mata, em certo sentido, ignora sua verdadeira condição e a realidade do mundo. Diferente do homem que se revolta, pois este tem conhecimento dos seus limites e do absurdo do mundo e da vida, mas o renuncia questionando a cada momento sua existência. A revolta o informa sobre a sua condição, fazendo com que ele viva intensamente cada instante, pois, como afirma Camus, “a revolta é o ato do homem informado“ [73].

Essa revolta não se resume exclusivamente ao indivíduo que presencia o absurdo da existência. Não é apenas uma atitude solitária, pois se assim fosse, seria impossível argumentar sobre o suicídio. A revolta tende à solidariedade entre os homens e à recusa das injustiças contra a vida. Ao analisar a revolta vislumbramos algo em comum entre os homens, porque “[...] o movimento da revolta não é, em sua essência, um movimento egoísta”[74]. Também não é apenas uma ação dos excluídos, explorados e das vítimas das injustiças, mas ela engloba todos os homens. O senhor e o escravo se interligam nesse movimento, “[...] a revolta não nasce, única e obrigatoriamente, entre os oprimidos, podendo também nascer do espetáculo da opressão cuja vítima é um outro. Existe portanto, neste caso, identificação com outro indivíduo”[75].


3.3. A posição filosófica da revolta


O homem revoltado transcende o seu ser, ou melhor, a idéia do desejo particular, que restringe sua serventia a um único indivíduo. “Na revolta, o homem se transcende no outro, e, desse ponto de vista, a solidariedade humana é metafísica”[76]. Quando ele recusa sua condição sacrificando-se a algo ainda desconhecido ele o faz como se fosse algo comum a todos. O escravo quando reivindica seu direito negando servir ao seu senhor, ele o faz acreditando ser esta sua ação um direito comum de todos os escravos.  “Na experiência do absurdo, o sofrimento é individual. A partir do movimento de revolta, ele ganha a consciência de ser coletivo, é a aventura de todos”[77].

Desta forma, a análise do suicídio não se restringe unicamente a uma interpretação de um fato social isolado. Através da revolta é possível informar, de algum modo, qual o impulso que lança o indivíduo a se suicidar e no mais apontar como se dá a recusa da morte na figura do homem revoltado. O homem revoltado luta a cada instante com suas incertezas, procurando achar uma possível transparência acerca da existência, mas nesse movimento ele preserva a consciência das suas limitações esgotando o possível.

Portanto, a revolta interliga os homens. Quando o absurdo é presenciado e posteriormente o homem se revolta, este movimento surge como um fundamento comum entre os homens. A revolta torna-se algo necessário para a existência, pois o homem que não se revolta se cala, ou ainda, se mata. “Para existir, o homem deve revoltar-se, mas sua revolta deve respeitar o limite que ela descobre em si própria e no qual os homens, ao se unirem, começam a existir”[78].

Revolta é consciência para o homem que descobre o absurdo da existência. Ela é uma postura de insubordinação, de agitação, mas que descobre por si própria quais os seus limites e até onde pode subverter. Ela recusa o suicídio justamente porque este é recusa da vida, e, por conseguinte, do absurdo. O homem revoltado enfrenta sua condição, sabe que a vida é um desafio e, assim, irreconciliado com o mundo, retira dele ânimo para viver. Não se submeterá a ser dominado pelo absurdo, e reivindicará para si aquilo que chama de liberdade. “Em última instância, ele aceitará a derradeira derrota, que é a morte, se tiver que ser privado desta consagração exclusiva a que chamará, por exemplo, de sua liberdade. Antes morrer de pé do que viver de joelhos”[79].

O homem absurdo reconhece que seu sentimento é compartilhado entre os homens, descobre que esta doença que sentia é comum a todos, e sofre juntamente com eles as mazelas da mediocridade humana. “O mal que apenas um homem sentia torna-se peste coletiva”[80].  E, nessa lógica, a revolta também se configura como um movimento comum a todos os homens.

Na nossa provação diária, a revolta desempenha o mesmo papel que o cogito na ordem do pensamento: ela é a primeira evidência. Mas essa evidência tira o indivíduo de sua solidão. Ela é um território comum que fundamenta o primeiro valor dos homens. Eu me revolto, logo existimos[81].

Revoltar-se é necessário para se manter vivo. Não se entregar na embriaguez da escuridão, mas insurgir diante desta escuridão consciente de sua existência comum a todos. Procurando se arranjar com o que tem para recusar esta condição que é irredutível, mas instiga o homem a querer esgotar a vida de qualquer maneira.

Assim como Sísifo, o homem revoltado vive sem apelações, recusa as esperanças e a salvação. “Seu desprezo pelos deuses, seu ódio à morte e sua paixão pela vida lhe valeram esse suplício indizível no qual todo o ser se empenha em não terminar coisa alguma”[82]. Não há como negar essa existência amarga e cruel, a não ser assumir a condição em que se encontra, almejando subvertê-la.

“A consciência vem à tona com a revolta”[83],  desta forma, Camus representa a postura do homem absurdo que, diante das incertezas e das limitações não se resigna, mas, assume sua condição e a vivencia intensamente. O homem absurdo insurge diante da perpétua luta contra as incertezas, e a revolta lhe dá a consciência de sua condição e do destino esmagador. O questionar é força vital e sua postura é oposta à do suicídio que tenta negar a existência absurda.

Na figura de Sísifo transparece a postura do homem revoltado. Sísifo rebela-se contra sua condição. Sua revolta configura-se na aceitação da vida e no conhecimento acerca do absurdo da existência. Mesmo tendo conhecimento da sua condição desprezível, Sísifo, não procura se resignar, mas enfrentar o seu destino.


Considerações finais


O suicídio para Albert Camus apresenta-se como um problema de caráter filosófico. Na obra discutida, O mito de Sísifo, este pensador revela as estruturas do suicídio analisando-o de forma sistemática.

Ao refletir o suicídio como um problema filosófico, verifica-se o surgimento de um novo conceito camusiano nomeado de absurdo. Este conceito analisado e exposto nas obras de Camus, além de possuir um caráter filosófico, configura-se num sentimento que rompe o homem da vida cotidiana.

O conceito de absurdo, na filosofia de Camus, consiste em propor uma solução filosófica para o problema do suicídio. Para este filósofo, o sentimento do absurdo põe o dilema acerca do valor da vida. É ele que tira o homem do seu mundo familiar e o joga numa realidade desconhecida, na qual os costumes e as certezas anteriores perdem seu sentido, deixando-o desamparado e solitário.

O problema do suicídio resolve-se pela via do absurdo e da revolta. É através da reflexão acerca do absurdo da existência que a problemática é resolvida. A postura do homem absurdo é contrária a do suicida porque este, depois de experenciar o absurdo da existência, tenta negá-lo com a morte e isto se configura como um ato ignorante perante a verdadeira realidade da vida e do mundo. Já o homem absurdo assume o absurdo e procura viver a vida de qualquer maneira. Consciente da existência absurda, ele se revolta e recusa o absurdo procurando viver a todo custo.

A filosofia camusiana estabelece, na relação entre o suicídio, o absurdo e a revolta, uma resolução para este problema, possibilitando discutir se é o suicídio uma solução para o absurdo da existência ou um ato de se resignar diante do absurdo. A revolta surge como outra via que estabelece os parâmetros para uma vida consciente e ativa.

Assim, a leitura da obra O mito de Sísifo, conduz a pensar uma relação entre o herói trágico, que neste caso consiste no Sísifo, o absurdo e a revolta. Nesta relação observa-se a relevância desta obra e dos conceitos trabalhados para uma época tão conturbada, que foi o período entre guerras. Ao mesmo tempo, é uma obra que se atualiza, pois faz com que o homem contemporâneo reflita acerca da sua existência, do modo como vive em sociedade.  O mito de Sísifo possibilita uma reflexão mais humanista acerca do homem e da vida, apontando os limites da existência e os equívocos produzidos pela razão.

Por fim, depois que o suicídio apresenta-se como problema relevante para a filosofia, pois lança a reflexão sobre a vida como questão de princípio, surge também um novo questionamento de caráter ético, que sugere uma reflexão sobre o comportamento do homem diante da existência absurda. Essa ética possui um caráter mais humanista, pois faz com que o homem reivindique a cada momento o seu direito de viver sem opressões e injustiças. A vida é um direito que não deve ser violado.














Antônio Rafael Alves Teotônio
Graduado em Filosofia pela Universidade Estadual da Paraíba (UEPB)










[1] BARRETO, Vicente. Camus: Vida e Obra. 2. ed. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1991, p. 11.

[2] Ibidem.
[3] Ibidem, p. 14.
[4] Ibidem.
[5] Ibidem, p. 16.
[6] Ibidem.
[7] Ibidem, p. 26.
[8] Ibidem, p. 11.
[9] DENIS, Benoît. Literatura e engajamento: de Pascal a Sartre. Trad. bras. Luiz Dagober de Aguirra Roncari, Bauru-SP:Edusc, 2002, p. 12-13.
[10]  BARRETO, Vicente. Op. Cit, p. 12.
[11] DENIS, Benoît. Op. cit, p. 25.
[12] Ibidem, p. 37-38.
[13] Ibidem, p. 38-39.
[14] Ibidem, p. 41.
[15] Ibidem, p. 48.
[16] Ibidem.
[17] Ibidem.
[18] SARTRE, Paul. Que é a literatura? 3.ed. Trad. bras. Carlos Felipe Moisés, São Paulo: Ática, 2004, p. 208.
[19] BARRETO, Vicente. Op. Cit, p. 95.
[20] TODD, Olivier. Albert Camus: Uma vida. Trad. bras. Monica Stahel, Rio de Janeiro: Record, 1998, p. 95.
[21] DENIS, Benoît. Op. Cit, p. 283.
[22] BARRETO, Vicente. Op. Cit, p. 45.
[23] Ibidem, p. 45.
[24] CAMUS, Albert. O mito de Sísifo. 4.ed. Trad. bras. Ari Roitman e Paula Watch, Rio de Janeiro: Record, 2007, p. 138.
[25] Ibidem.
[26] Ibidem, p. 139.
[27] Ibidem, p. 17.
[28] Ibidem, p. 17.
[29] Ibidem, p. 19.
[30] Ibidem, p. 140.
[31] Ibidem, p. 141.
[32] BARRETO, Vicente. Op. Cit, p. 45.
[33] Ibidem, p. 44.
[34] Ibidem.
[35] CAMUS, Albert. O mito de Sísifo, p. 27.
[36] Ibidem, p. 19.
[37] Ibidem, p. 20.
[38] Ibidem, p. 19.
[39] Ibidem, p. 23.
[40] BARRETO, Vicente. Op. Cit, p. 52.
[41] CAMUS, Albert. Op. Cit, p. 70.
[42] Ibidem, p. 68.
[43] Ibidem.
[44] Ibidem, p. 70.
[45] Idem, Primeiros cadernos. Lisboa: livros do Brasil, sd, p. 17.
[46] Idem, O mito de Sísifo, p. 74.
[47] Ibidem, p. 66.
[48] Ibidem.
[49] Ibidem, p. 79.
[50] PERRONE-MOISÉS, Leyla. Inútil poesia e outros ensaios breves. São Paulo: Companhia das Letras, 2000, p. 253.
[51] CAMUS, Albert. A Peste, Trad. bras. Valerie Rumjanek, Rio de Janeiro: Record, (2°ed), p. 21.
[52] Idem, O mito de Sísifo, p. 79.
[53] Ibidem, p. 80.
[54] Ibidem.
[55] Ibidem.
[56] Ibidem, p. 65.
[57] Ibidem.
[58] BARRETO, Vicente. Op. Cit, p. 69.
[59] CAMUS, Albert. O mito de Sísifo, p. 141.
[60] Ibidem, p. 67.
[61] Ibidem, p. 66.
[62] CAMUS, Albert. O mito de Sísifo, p. 67.
[63] BARRETO, Vicente. Op. Cit, p. 53.
[64] CAMUS, Albert. O mito de sísifo, p. 66.
[65] BARRETO, Vicente. Op. Cit, p. 73.
[66] Ibidem, p.71.
[67] CAMUS, Albert. O homem revoltado. 6. ed. Trad. bras. Valerie Rumjanek, Rio de Janeiro: Record, 2005,  p.21.
[68] Ibidem, p. 74.
[69] Camus, Albert. O homem revoltado, p. 26.
[70] Ibidem, p. 27.
[71] Ibidem, p. 26.
[72] Idem, O mito de Sísifo, p. 67.
[73] Idem, O homem revoltado, p.33.
[74] Ibidem, p. 28.
[75] Ibidem, p. 29.
[76] Ibidem, p. 29.
[77] Ibidem, p. 35.
[78] Ibidem, p. 34-35.
[79] Ibidem, p. 27.
[80] Ibidem, p. 35.
[81] Ibidem, p. 35.
[82] Idem, O mito de Sísifo, p. 138.

[83] Ibidem, p. 27.