É
com o surgimento da etnografia como método de pesquisa na Antropologia, no início
do século XX, que a pesquisa antropológica se enriquece e, ao mesmo tempo,
demonstra diferenciação das outras áreas de estudos, no que comumente se
definiu como ciências humanas.
A partir do momento que surge a
necessidade de se abandonar a repartição de tarefas, típica da Antropologia
Clássica do século XIX, entre o observador (viajante, missionário,
administrador), aquele que costumeiramente caberia a tarefa de colher
informações sobre outros povos, costumes e culturas, e o pesquisador erudito,
este dedicado a analisar e interpretar tais informações, é que na Antropologia
começa a surgir o enfoque na relevância do pesquisador (antropólogo) em
aprender a viver com a comunidade estudada, aprender a viver como as pessoas da
própria comunidade, aprendendo a língua, a pensar, sentir e se relacionar da
maneira da comunidade.
Na tentativa de reconstrução da história dos
povos humanos, a Antropologia do século XIX partia de uma perspectiva
evolucionista demonstrando que no percurso de desenvolvimento das culturas
alguns povos teriam alcançado o estágio de “povos civilizados” e outros teriam
estacionados em estágios inferiores de “selvageria” ou “barbárie”. O papel do
antropólogo se resumia a análise dos relatos de viajantes, expedições
científicas, missionários ou informes das oficinas coloniais, materiais
volumosos que ocupavam o pesquisador em seu gabinete, resumindo suas reflexões
a deduções e especulações etnocêntricas.
Mas é a partir do século XX que o trabalho de campo passa a ser um fator
decisivo nas pesquisas, garantindo a justificação das análises, o caráter
comprobatório dos estudos e dos dados observados, pois o pesquisador se torna
agora testemunha ocular cabal e factual do que está sendo interpretado,
buscando afastar o máximo possível os preconceitos de uma cultura tida como
mais evoluída e, por isso mais civilizada, em relação a uma outra inferior,
barbara, exótica e primitiva. Surge então a necessidade de se rever o método de
pesquisa na Antropologia, Franz Boas (1858-1942) e Bronislaw Malinowski
(1884-1942) são exemplos dessa nova forma de interpretação das culturas que
marca o surgimento da Etnografia.
Franz Boas jovem cientista alemão, começa suas pesquisas
no Ártico canadense com seus estudos sobre a cultura, buscando analisar os Esquimós
daquela região pouco estudada, na tentativa de colher dados antropológicos,
(destaque para a Antropologia que ainda estava se constituindo como ciência),
como forma de entender a dinâmica de formação das culturas, interpretando e
fazendo um paralelo com nosso estilo de vida, Boas desperta para a reflexão
crítica sobre interpretações deterministas e estabelece como forma de análise
das culturas o que ficou conhecido como enfoque microssociológico, rompendo com
a perspectiva evolucionista. Para Boas a complexidade dos fenômenos
etnológicos, aparentemente simples, não podiam ser explicados por uma só causa,
esses decorrem de vários fatores, para interpretá-los seria necessário um
estudo minucioso de cada cultura específica.
Ainda
estamos buscando as leis que governam o desenvolvimento da cultura humana, do
pensamento humano; mas reconhecemos o fato de que, antes de buscarmos o que é
comum a toda cultura, devemos analisar cada cultura com métodos cuidados e
exatos, como o geólogo analisa a sucessão e a ordem dos depósitos, como o
biólogo examina as formas de matéria viva (BOAS, 2004, p.140).
Portanto,
já é possível perceber com Boas a necessidade para o Antropólogo de se estudar
através do contato de campo as microssociedades, como condição para sua compreensão
cientifica. Da ilha Vancouver e passando pela atual Colúmbia Britânica, seus
estudos e trabalho de campo para a Associação Britânica sobre os índios do noroeste
da América, marcam as contribuições do seu estilo de interpretação
antropológica, que não esteve apenas resumido a pesquisa cientifica, mas também
esteve associado a necessidade do antropólogo se engajar politicamente e
participar ativamente da vida pública na qual estiver inserido. Foi o que o
mesmo fez, quando encarou problemas étnicos e raciais nos Estados Unidos da
América, e quando participou de uma assembleia de profissionais negros, além de
ter escrito sobre outros temas polêmicos no EUA.
Mas
foi com Bronislaw Malinowski que a importância da pesquisa de campo foi
radicalizada, procurando compreender por dentro da comunidade estudada o que sentem
homens e mulheres pertencentes a uma cultura não-ocidental, este jovem polonês
inovou o método de pesquisa na Antropologia. Foi nas ilhas Trobriand, onde
viveu por mais de três anos, que surgiu uma de suas obras fundamentais Argonautas do Pacífico Ocidental (1922),
na qual o autor discorre sobre o método e o objetivo de sua pesquisa,
formulando na sua introdução, pela primeira vez, o significado do método
etnográfico. Os argonautas são uma complexa narrativa, simultaneamente sobre a
vida trobiandesa e sobre o trabalho de campo etnográfico. Ela é arquetípica do
conjunto de etnografias que com sucesso estabeleceu a validade científica da
observação participante (CLIFFORD, 1998, p.27).
Malinowski
entendia que no estudo de uma sociedade, o antropólogo deve tomá-la em sua
totalidade, buscando ao máximo compreender os modos de vida e de pensar da
sociedade estudada. Funda com isso uma espécie de antropologia da alteridade,
dedicando-se ao estudo particular das características de cada cultura, negando
assim, a interpretação evolucionista. Seu contato com os trobiandeses, o fez
refletir sobre o método que vinha sendo usado pela Antropologia, ele propunha,
que o antropólogo deveria conviver um longo período entre os “primitivos”,
aprendendo a língua e os costumes como meio para não ser percebido. Só assim, o
pesquisador estaria apto a captar, o que ele chamou de “ponto de vista do
nativo”.
Assim,
ao estudar os trobiandeses, Malinowski demostrou que seus costumes, por mais
que sejam muito diferentes dos nossos, apresentavam lógica e coerência,
desmistificando a visão etnocêntrica de que esses povos, e outros não-ocidentais,
eram ignorantes e com tradições estúpidas, por terem parado no tempo. Foi
assim, quando descobriu a rigorosa e complexa organização econômica do Kula, uma forma de troca de caráter intertribal
praticadas por comunidades localizadas num extenso conjunto de ilhas do norte
ao leste e extremo oriental da Nova Guiné.
O método etnográfico,
proposto por Malinowski, se apresenta como uma ciência em que o relato honesto
de todos os dados é talvez ainda mais necessário do que em outras ciências (MALINOWSKI,
1984, p.18). A observação direta das declarações e interpretações nativas,
atreladas a intuição psicológica do autor, captaria as impressões mais próximas
da realidade do nativo, possibilitando ao antropólogo o possível entendimento
da sociedade estudada. Assim, o caráter científico do método etnográfico
levaria em conta não apenas a observação dos fatos in loco, mas também na
bagagem teórica que o antropólogo levaria consigo para o campo. O que
Malinowski definiu como “esquema mental”, necessário para estabelecer os
roteiros e os caminhos possíveis na pesquisa.
O tratamento científico
difere do senso comum, primeiro, pelo fato de que o cientista se empenha em
continuar sua pesquisa sistemática e metodicamente, até que ela esteja completa
e contenha, assim, o maior número possível de detalhes; segundo, porque, dispondo
de um cabedal científico, o investigador tem a capacidade de conduzir a
pesquisa através de linhas de efetiva relevância e a objetivos realmente
importantes. (MALINOWSKI, 1984, p.24).
A etnografia aparece como um método de observação, mas
não uma observação passiva, e sim uma observação
participante, das práticas, dos comportamentos, uma vivência prolongada com
os nativos, estando presente na comunidade estudada, prestando atenção ao que
fazem e sobre o que dizem em relação ao que estão fazendo, tomando nota de
campo e coletando dados, tudo isso torna-se relevante no método inovador
proposto por Malinowski em sua Antropologia Social. Esta consiste num estudo de um objeto por vivência direta da
realidade onde este se insere.
Com
este novo método definido, a Antropologia passa agora a entender as culturas
como um todo, mudando o seu objeto, que antes eram tribos, índios, esquimós,
primitivos etc. passando a se interessar pelas sociedades humanas, sejam elas quais
for. É nossa tarefa estudar o homem e devemos, portanto, estudar tudo aquilo
que mais intimamente lhe diz respeito, ou seja, o domínio que a vida exerce
sobre ele (MALINOWSKI, 1984, p.34).
A recusa a perspectiva evolucionista, passando por essa
nova fase da pesquisa de campo, possibilitou o desenvolvimento na Antropologia em
levar em consideração a diversidade cultural. Essa diversidade não estava agora
associada a um processo evolutivo único, nos quais alguns povos diferiam por
suas formas culturais tomadas como simples, atrasadas, primitivas em relação a
outras mais desenvolvidas, civilizadas.
A etnografia tomada como texto, ou relato escrito resultante da pesquisa de campo sobre uma cultura, passa a ser um método de análise inserido na Antropologia que passa agora, depois das contribuições de Malinowski, a ter autoridade entre os antropólogos. O método etnográfico se apresenta como um suposto “mergulho” na vida cotidiana do “Outro”, que o antropólogo pretende estudar. E esse mergulho servirá como modelo para outros teóricos e estudiosos da cultura que adotarem o método etnográfico em suas pesquisas.
A etnografia tomada como texto, ou relato escrito resultante da pesquisa de campo sobre uma cultura, passa a ser um método de análise inserido na Antropologia que passa agora, depois das contribuições de Malinowski, a ter autoridade entre os antropólogos. O método etnográfico se apresenta como um suposto “mergulho” na vida cotidiana do “Outro”, que o antropólogo pretende estudar. E esse mergulho servirá como modelo para outros teóricos e estudiosos da cultura que adotarem o método etnográfico em suas pesquisas.